
A capacidade que certos filmes possuem de despertar profundamente sentimentos que nem sabíamos que possuíamos ou que nem sabíamos que poderíamos sentir é o que de mais belo o cinema pode proporcionar. Não assisto filmes com um olhar técnico, não possuo conhecimento para tal, esta capacidade de mexer com o que sinto, com o que vejo, com o que experiencio é o que de melhor o cinema pode me proporcionar. Um bom filme é aquele que incomoda, é aquele que nos deparamos com a inexplicabilidade do ser humano, com a caoticidade do mundo e dos homens. Um bom filme é aquele em que me deparo pensando sobre ele pelas andanças na cidade, em uma viagem de ônibus, em uma aula entediante, em um comentário de um amigo e por dias, às vezes, semanas ele retorna a mente como um reflexo, como um reflexo daquilo que possuímos de humanidade.
Elephant de Gus Vant Sant é um destes filmes, acompanhamos durante quase uma hora um dia comum em uma High School americana e o acompanhamento, o encadeamento, a perseguição que a câmera faz sobre cada personagem, nos mostra o mais perfeito retrato de uma sociedade. De nenhuma outra forma poderíamos entrar e compartilhar da complexidade de um acontecimento que por mais que se tente nunca será completamente compreendido. É a garota rejeitada, é o jovem fotógrafo revelando suas fotos, é a discussão de alunos sobre a homossexualidade, é o atleta bonitão, são as amigas inseparáveis que compartilham o ato de regurgitar a comida, é o garoto que toca Bethoven, compra uma arma pela internet, invade a escola e atira em dezenas de colegas com a simplicidade de quem assiste a uma aula de biologia.
Não se deve entender Van Sant como um simplista, o que ele faz é reproduzir magistralmente uma realidade, é a incapacidade de entender por mais próximo que a câmera se encontre, por mais repetido e visto por diversos ângulos que uma cena possa ser vista, é justamente por isto que o filme do hoje consagrado diretor é excepcional. É como se ele dissesse: não é possível uma explicação, é possível apenas a constatação da realidade e de como o horror desta realidade é presente, é real.
É por isso que Elephant é tão inquietante, por isso o filme destroça, cansa o espectador apesar da projeção não ultrapassar os 70 minutos, o que Van Sant nos diz é que esta terrível realidade acontece, aconteceu e pode vir a se repetir, não existe um porquê, existe “apenas” a sua presença. Facilidade de acesso às armas, distanciamento dos pais, sociedade individualista, bullying, consumismo desenfreado, padrões de beleza inalcançáveis. Tudo isso pode contribuir para uma explicação, mas Van Sant diz: não há explicação! E isso aterroriza!
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